sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

um começo

Havia chuva nos autocolantes do México 86, a janela pingava, e eu portava soldados às centenas: batalhões de azuis, cinzentos e verdes, tinham vindo de Roma, capital do Império, oferenda de uma tia fugida, os Milite Ignoto perscrutavam as gotas em solo seco, num parapeito de uma janela com vista para a cidade, também esta do sul. Os soldados emigrantes não guerreavam no inverno, ficavam imóveis à altura do meu peito franzino, a notar a Câmara, a entrada do pessoal camarário, homens e mulheres de bicicletas fatelas, apeadas à porta grande, conduzidas por mãos gretadas até ao portão “ que estás a fazer?”, e eu ficava na guerra suspensa “ já vou mãe, só dois minutos”, a cadela comigo, a tabuada do ratinho à tona da cama, a minha mãe à espera, como as esperas dos soldados azuis, cinzentos e verdes, e em tudo isto havia o ar embebido em liquido, em água; como a terra em consubstanciação com o ar, conforme eu convertido em substância melancólica, em agradável intervalo de gotas ou balas, tudo no começo, numa cidade, onde tudo o que sou começou, único num quarto a chover, com uma mater de comida na mesa, à espera, enquanto eu lia cartas romanas aos meus batalhões, passados clandestinamente por uma tia.

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