sexta-feira, 1 de abril de 2011

A velha sem nome, mulher de um velho impotente

Sucediam-se dias de chuva a magotes, carabinas de frio, e trago recordações de fábricas prestes a serem abandonadas; uma mulher de semblante vincado a conduzir o estandarte de protestos, e mais mulheres a estibordo, e alguns homens a fumar ao longe, mudos, coçam a barba de três dias ou mais, acendem cigarros uns nos outros − a inevitabilidade do português suave – e sorriem com medo do futuro, porque os homens são medrosos, caguinchas, e elas mandam no porvir. O mulherame debita protestos “ fascistas de merda”, principalmente a de rosto marcado, enrugado, a mais considerada da corporação, a mulher dos gatos, tinha muitos, ainda os tem, um bando de gataria que mijava pela casa, que comia sardinhas da fábrica, e cavalas, e enchovas, e o diabo a quatro; ainda é viva, achacadiça, sem no entanto deixar de estar afeiçoada à sua pulsação. Não teve filhos, só gatos, e é velha muito velha, para lá de velha, se tal coisa existe: é ela.
Desta mulher nunca lhe conheci o marido; por que ela era a sua matilha, como todas as líderes que reconhecem nos homens miúdos grandes, com as suas brincadeiras de Sagres, medronho, aguardente, copos de três, e os gatos mijavam e ela limpava. As fábricas entretanto deram o badagaio, fecharam portas e portões, tudo pró olho da rua, que essa merda de greves, e piquetes não dá rendimento, e se querem direitos, então tomem lá.
Fábricas abandonadas, com cegonhas tão catitas nas chaminés, são património inestimável, dizem as cassetes das rádios ecologistas, tornaram-se ex-líbris da região onde a terra acaba e o mar começa – as ditas cegonhas, claro está; nunca os mitras dos ecológicos −; porque nós lá no Sul só para tramarmos a malta verde,  metemos-la no sítio, fizemos discoclub´s, e disconight´s de tantas e tantas fábricas, transformamos o velho em novo e bonito ( do grego néon: novo ), com néones – adoro este substantivo −  apelativos, sempre a piscar, ao som da música Techno. Os gatos continuam a mijar tudo, a mulher que eu nunca soube o nome continua a caminhar agora sozinha em peregrinação para ver o rio, os gatos tem fome, ela arrepia caminho, o seu homem que eu acredito que nunca existiu já deve estar à mesa, ele e os miaus, e ela corre não à frente de ninguém, porque o mulherio tem caído ultimamente com a queda da folha, ela corre sozinha, e perde-se neste néon da cidade.